setembro 28, 2005
crónicas da cidade - mitos urbanos
trespassa-nos um pavor tão suburbano
talvez um pouco idiota
mas humano
de temer
aperceber um estrangeiro
eslovénio talvez
talvez busquímano
ou - quem sabe? - se calhar ucraniano
que nos aborda mal saídos do emprego
numa esquina
num semáforo
de passagem
interpretando um longo trecho num piano
que nos furta com sua cauda
até a paisagem
enquanto numa pausa em semifusa
estendida a mão fremente
o olhar acusa
mas - cuidado! - que ao pedir-nos uma esmola
irá talvez sacar do piano uma pistola
a usurpar-nos bem-estar o tal fulano
espoliando magros proventos de um ano
em linguajar de entaramelar nossos medos...
e logo ele
virtuoso e exímio no piano
que tão ágeis nos parecem os seus dedos!...
- Jorge Castro
setembro 24, 2005
Comendo o poema
(ando a sentir falta de alguma poesia de faca e garfo...)
serve-se o verso com rima se o repasto é mais que certo
ou verso branco se o assento se apoia em corrido banco
garfo na estrofe atrofia o paladar já desperto
que não há verso que aguente falta de sal no entretanto
se o poema é manifesto então o caso é mais sério
que não vai lá com cantigas ou ameno refrigério
só cantado à boca cheia se faz dele uma certeza
vinho tinto cor de sangue e cozido à portuguesa
já verso servido em prosa deve ter prato ladeiro
ou será sopa de letras muito fundo e pouco cheio
hino canção ou soneto laracha de chico-esperto
dar-se-á espaço à trova para que o som saia aberto
mas nunca é de servir frio um poema feito espada
de ferir fragas fantasmas fantasias de espingarda
quanto baste o quente e a alma quanto baste desalmada
que é de comer o poema que na nossa alma arda!
- Jorge Castro
setembro 22, 2005
de fátima a felgueiras - por onde se perde o pecado?
Não me incomoda, especialmente, a louridão e refrescura que a dama traz dos Brasis. Sabe-se ser lá a terra das plásticas por excelência. Já o mesmo não direi da entoação pesporrenta e napoleónica, que me enerva um pouco, reconheço... Ele há plásticas que, em boa verdade, nem nas "excelências"!
Agora, ela fugiu à justiça cá da terra, não foi? Arguida num vultuoso e nebuloso processo, não foi? E raspou-se de uma forma que eu, em pé de aparente igualdade de cidadania, bastando ser suspeito do furto de um cacho de bananas - e notem que digo "suspeito" - dificilmente seria capaz, por aproximação fabulosa, de atravessar sequer o Tejo até meio da ponte.
Entretanto vive dois anos de rendimentos indizíveis- digo eu, invejoso, que se tivesse de passar dois mesitos no Brasil, despedido e tudo, havia de estar logo de mão estendida à caridade...
Depois regressa à parvónia quando lhe convém e, arguida que é, escolhe elementos policiais de acompanhamento, instalações onde se acoite e presenteiam-na com célere dispositivo judicial o qual, pressuroso, a liberta a tempo de, no próprio dia, iniciar uma campanha eleitoral autárquica.
Entretanto, fatia importante do povão anónimo (ou nem por isso) de Felgueiras aplaude e exterioriza histericamente (ou nem tanto) a chegada da santa padroeira do burgo, que é a tal fugida à justiça.
Ou estamos em presença de um novo Zé do Telhado (desculpa lá, ó Gomes), este de sete saias e outros tantos enredos e temos andado todos enganados pelo poder, pelas autoridades e pela justiça.
Ou a dona Fátima, qual hitlerzito de bairro, confundindo as massas e baralhando as hostes, é, afinal, a verdadeira face do poder encapotado que neste país (e em tantos outros) tudo controla e determina, fazendo do sacrossanto "estado de direito" uma pantomima patética e bacoca onde aos espertalhões, espertinhos e espatalhóides tudo é permitido, com o aplauso da plebe alarve e embasbacada, invejosa apenas por não ter sido capaz de ser tão esperta quanto aqueles.
E, despudorada e provocadora, avança para a candidatura a uma autarquia, apenas porque a lei tem um buraco, ou porque o buraco tem uma lei, sem que lhe roce pelo bestunto o DEVER, além do poder. Porque talvez ela possa, legitimamente (por força do tal buraco) concorrer à Câmara. Mas não devia!
Como em tempos disse e lamentavelmente cada vez estou mais convencido da justeza da asserção, vivemos num país em que a mulher de César nem é séria, nem quer parecer e até tem raiva a quem o seja. Mas, pelo contrário, faz questão de alardear aos quatro ventos que é puta. E das piores: daquelas que se vendem apenas para comprar mais um vestidito ou uma jóita, coquete e pires, para aparecer nalguma vernissage, que não se fala aqui das aflições da fome. E, gozando com o pagode, ainda alega que é para o bem de todos!
E a turba aplaude. E, pior, vota nesta malta!
E o poder, todo ele, tal o anverso da mesma moeda, condescende, suporta ou, no limite, finge ignorar!
Se eu fosse o corsário azarado do Astérix, em pleno afundamento da nau, diria a propósito: "- Beati pauperes spirito...".
setembro 20, 2005
Eilhes tórnan an Mirandés!

Astérix, l Goulés, assim mesmo!
O mirandês é uma graça. E um orgulho. E faz sentido. Cada vez mais, neste país de coluna dorsal amolecida...
A ASA teve uma bela iniciativa ao lançar o Astérix em mirandês, com tradução a cargo de Amadeu Ferreira. Mas logo veio o entremês fatela, fatal, fantástico:
- onde foi o lançamento? - Em Lisboa, onde ninguém prescinde que a própria se constitua como a estrebaria-mor do reino.
- em que sítio? Pues, en el Corte Inglés, por supuesto, de nuestros hermanitos, los que son dañados por la brincadeyra e nosotros, elementares pategos, até a alma vendemos pelo prato de lentilhas. (Não, não é inveja. Só lhes invejo a arte de saberem gerir o óbvio e nós, nem isso...).
Em Miranda, o orgulho inicial nascido pela notícia da publicação pareceu-me deslizar para algum ranger de dentes – como sabereis, eu andava por lá e ouvi algumas bocas... - e quando o livro ali chegar, não passará de (mais) uma triste prova de que o isolamento ainda pesa como fraguedo de granito e corre o risco, por isso, de deixar de ser motivo para alimentar fundados orgulhos, para se transformar em mais um “corpo estranho” oriundo da palhaçada egocentrista da capital da ópera-bufa.
O mirandês - que soube sobreviver séculos a fio a esse isolamento e às demais vicissitudes provocadas por aqueles que têm do país a visão limitada por um gabinete de presuntivo poder acolchoado a prebendas e mordomias - soube afinal guindar-se, por mão própria, a segunda língua oficial de Portugal.
Por favores, dizeis-me? Não vos armeis em alarvemente álacres ou simploriamente simplistas, senhores, por favor e caridade. Por muito favorecimento político que houvesse no acto solene, o certo é que, a sustentar a justeza da situação, estão centenas de anos de teimosa resistência e afirmação da diferença.
Voltando ao Astérix: por terras de Miranda do Douro - que a ignorância infeliz, anacrónica e estúpida de um “jornalista” resolveu, no Público, “desviar” para Miranda do Corvo... - ninguém o viu. Chegaram, apenas e até à data, uma fotocópias a preto e branco, fazendo parecer que os cultores da língua que justifica a publicação mais não serão que algum mal necessário!
Porca miséria!
E logo em El Corte Inglês!... Mutatis mutandis e se me permitirem algum nacionalismo quiçá bacoco, a bacorada é tão imensa quanto o celebrar, por exemplo, o centenário da história da resistente aldeia gaulesa… em Roma!
Mas será que, de facto, andamos todos a dormir?
setembro 16, 2005
Enquanto eu vou ali e já venho, inscrevam-se lá, por favor...
Jantar/Encontro da Irmandade Blogueira

Para Inscrição e detalhes clica sobre a imagem
setembro 13, 2005
e, agora, de novo versejando: Acompanhante
eu não me enformo de amanhãs
nem me sustento
da palidez de alguma pétala orvalhada
o sangue
é hoje a pulsar nas minhas veias
(presa nos olhos a beleza faz-se em nada)
mas quero só ouvir o mar
ouvir o vento
ter o silêncio de algum céu enluarado
ter sempre ao lado um inconstante entardecer
e muito perto a doce e terna madrugada
tu podes vir
sabes de mim a tolerância
mas não perturbes nem sequer a leve aragem
um canto de ave
um restolho na folhagem
deixa-te estar
somente assim imperturbante
ouvindo os ecos de nós dois
em cada instante.
- Jorge Castro
setembro 08, 2005
Panaceia para combater o stress lusitano
Em “missão de soberania” por longínquas terras transmontanas, quero deixar-vos aqui não um poema, mas uma anedota, pois estou em crer que o riso há-de ser um bom remédio para combater a idiotice em que Portugal vem mergulhando. Esta é aparvalhada mas – que querem? – caiu-me no goto. Cá vai:
Terapia para combater a angústia da recessão
Na farmácia, entra um sujeito a correr:
- Rápido, por favor, arranje-me um remédio para a diarreia.
Uma hora depois, o farmacêutico verifica que se enganou e entregou ao apressado um forte calmante.
Passa mais uma hora, volta o paciente. O farmacêutico, preocupado, pergunta:
- Então, como é que o meu amigo está?
- Olhe, todo cagado. Mas calminho, calminho...
setembro 03, 2005
cronicando, fascinado...
"- Doutor, dói-me o peito", queixava-se, aqui há uns anos, o amigo Fanha. Do cansaço, do tabaco...
Mas nós estamos, por cá, todos bem. Está aí a "rentrée", seja lá isso o que for. Aparentemente, há uma altura do ano em que todos nós, até os mais altos mandatários de alguma coisa ou de coisa nenhuma, estão por direito divino incumbidos do superior desígnio de banhar as partes pudendas em salsas ondas. Quando regressam, lavados, puros e bronzeados, volta a ouvir-se falar dos amanhãs que cantam... até para o ano.
No horizonte, perfila-se o tremendo embate do Bucha e do Estica (grato pela sugestão,
Eduardo), sob o olhar terno de um Pamplinas socrático e de um Sócrates trampolineiro. E o povo já não sabe em que lado do circo, bancadas incluídas, é que estão os palhaços.
A educação será resolvida a chicote e a segurança à vergastada. Transformam-se, por decreto, as escolas em armazéns de idiotas, com a hipócrita ou angustiada complacência parental, e as esquadras, carentes de verba, estarão vocacionadas somente para os novos "bailes dos bombeiros", onde os respeitáveis agentes farão, tão só, guarda à sala, contra apalpões e outros desmandos brejeiros, acautelando danos no fardamento, de sua inteira responsabilidade.
Nas estradas morre-se imensamente pelas suas más concepção e confecção, sem que se conheça um só responsável, ocupadas que andam tantas cabeças imaginativas a congeminar como deitar mão a um carrinho de serviço privado, por conta de dinheiros públicos ou alheios. Nas estradas melhorzitas, o povo entretém-se a sublimar frustrações diversas, carregando com desvario no acelerador ou na buzina, na busca infrene do homicídio suicida, sem regras ou quem as faça cumprir.
O atraso nas listas de espera hospitalares está em vias de fazer com que as intervenções cirúrgicas se realizem apenas na geração seguinte: "- Sr. Doutor, estou aqui para fazer a artroplastia da anca que o meu paizinho - Deus o tenha! - tinha marcada há quarenta e dois anos...".
E tudo patrocinado pelos tais que, vendendo a alma ao diabo das louvaminhas e hipotecando o corpo ao partido ou à seita, se desunham para alcançar um Jaguar topo de gama sem dispender um tusto, enquanto invectivam o povão que se crê merecedor de mais do que um desengonçado carro de decrépitos bois escanzelados!
Uma sugestão, séria e construtiva: A gajada que está envolvida em toda esta sucata - que alguém já chamou de "
fascinismo" - não quer concentrar-se em Lisboa e proclamar a independência? Uma monarquia bufa, talvez, com o Alberto João de reizinho, um coro de querubins de apito dourado ao peito e todas as estações de tv, laudatórias, em fundo...
Entretanto, o resto do país - que continuaria por direito próprio a chamar-se Portugal - tentava descobrir um caminho marítimo para Bruxelas, de pera-rocha empunhada, aguardente de medronho marginal e tomates sem calibre, e por aí fora iríamos, singrando, em busca de um novo destino que nos tirasse esta dor no peito...
setembro 01, 2005
apenas mais oitocentos
Morreram ontem mais oitocentos (e mais não se sabe quantos) iraquianos.
Se virmos bem - e independentemente da mão que mata, sendo que as causas são tão próximas - foram mais seres humanos de uma só vez do que em todos os concelebrados atentados na Europa.
Até quando esta contabilidade mórbida fará sentido? E faz ou fez, alguma vez, algum sentido?
espraiando-se...
- quase a encerrar a época de praia, um olhar(zinho) sobre nós, que isto é um gozo e nem só de lamentos vive um homem...
dá de nós um ar basto decadente
assim passar o dia em praia concorrida
vendo passar de roupa alegre colorida
na urgência do areal toda essa gente
e há uma festa no ar que a si se basta
que comove – arrasta – e que nos deixa
no areal ao Sol sem uma queixa
pela diversidade fresca e algo madrasta
ali os amantes no enlevo das borbulhas
aqui um tarzan que sem Cheeta usa uma bola
além a tia que de chita fez a estola
e sobre nós feros jovens em bravas bulhas
e as moças num ténis disputado tão sem jeito
no extravio da graça em cada raquetada
ou os moços na demência da bolada
que produza na assistência algum efeito
quanto ao mais diversão abrutalhada
do gorila que atira a amada ao mar
ao puto parvo que em corrida de pasmar
deixa a malta mais basbaque e encharcada
há ogres magros que assarapantam as mágoas
e as tiaças da terna franja dos trinta
cavalgando em carrocel de motas de água
num alarde tão alarve e tão sem pinta
e há galifões uns de crista outros de ventre
e matadoras que fulminam só de olhar
e à nossa frente fica este espanto de mar
que nem se espanta de banhar toda esta gente
por mim me quedo nostálgico em calção
de banho que utilizo em duas mudas
vendo tudo à minha volta de bermudas
que me encantam só por serem como são…
- Jorge Castro
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