setembro 30, 2011
não sei porquê, fez-me lembrar José Niza…
Iniciava cedo o seu labor da pedincha. Ainda a manhã se estremunhava, com os olhares sonolentos dos passantes que madrugavam a caminho do cafezinho que antecede o labor diário e já ela se apressava a tomar o seu posto, ali ao Campo Pequeno, vinda de longínquas Bulgárias ou Ucrânias ou o que fosse o seu ponto de partida que ali desembocava, rodeada das latas e copos de plástico vazios e sujos da cerveja da véspera.
Com a ponta do xaile, ponteado a branco e preto em arremedos de pied-de-poule para pobres, sentou-se sobre um minúsculo rectângulo de cartão que trazia escondido na roupa, limpou o copo de plástico mais próximo, atirou lá para dentro duas ou três moedas escuras, com que fabricou uma espécie de chocalho a rebate da pobreza.
E a manhã passou a contar com mais aquela melopeia monocórdica, monótona, impessoal e pungente, de uma voz anasalada com o chamamento à atenção de cada passante reforçado pelo chocalhar da miséria.
Não sei que artes teve este quadro para me evocar o E Depois do Adeus, do José Niza. Talvez aquele céu matinal, de pouco azul e sol nascente a furar nuvens inconsistentes e tíbias tivesse ajudado um pouco à melancolia e o poema de Abril, expurgado de quanto um amor entre dois seres revela, apenas me deixasse alguns versos de angústia e nostalgia:
Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
(…)
Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
(…)
E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós
Coisas da «crise», decerto, que eu não me dou nem com angústias nem com nostalgias. Mas ainda estou a trautear a canção e já vai alta a manhã.
Etiquetas: Crónicas
setembro 25, 2011
Dionísio Leitão - um abraço sem tempo
Captador de imagens de primeira água, como o são todos aqueles - e apenas esses - que olham o mundo com olhos de ver e sabem descortinar o outro lado das coisas, das pessoas, da Vida, o Dionísio Leitão, através do seu blog Catedral, primeiro, e depois em várias outras circunstâncias de vida, foi um companheiro cujo convívio se me revelou sempre um estímulo para momentos de poesia - e de cidadania - de que fazíamos mútuo eco.
Recebi, há momentos, uma mensagem de amiga comum, informando-me do seu falecimento... Não encontro melhor homenagem a prestar a este amigo do que deixar aqui duas imagens com que ele nos brindou e a que eu tive o privilégio de poder juntar a minha poesia.
Dois poemas, também, que tive a honra de ver publicados no seu blog, numa simbiose de sentimentos e sensibilidades a que, amigo Dionísio, ainda haveremos de brindar uma vez mais e outra e outra nalgum recanto do universo.
Esta noite poderia escrever-te os versos mais tristes
como Pablo Neruda
ou dizer-te da minha recorrente vontade de ir a Samarcanda
como Bernardo Soares
diversa apenas a vontade de ir a Samarcanda
porque a tua presença me seria imprescindível
eu que nem mesmo sei que língua falam hoje em Samarcanda
ou o que por lá estará hoje acontecendo
Porque a tua ausência te cala em mim
poderia mesmo escrever-te uma carta de amar
que gritasse dentro de mim a tua ausência
e que no voo tangente das palavras
todos achariam ridícula
só eu não
- e daí quem sabe? -
Poderia imaginar-te silhueta
por entre silhuetas de pinheiros
feita de bilros e devaneios da Lua Cheia
derramando-se de luz ao longo de todo o mar
até tropeçar com o areal
e a terra toda
até envolver todos os amantes
que à beira-mar se consumam
como se o tempo se lhes acabasse ali como a terra
ou apenas se desesperam no amor
como se amassem apenas porque se procuram
quando o areal barra a luz fluida vertida pela Lua
poderia dançar contigo um tango argentino
conduzir-te na volúpia dessa dança
que
conforme dizem
ao homem compete conduzir
apenas para
e por uma vez só
te conduzir
eu de negro
Gardel
Terrível e alucinado
e tu
o teu vestido vermelho
rasgado com uma faca de seda
ambos efémeros, diáfanos e amantes
... se eu soubesse dançar
Ah, se eu soubesse dançar!
Poderia até tentar dizer-te um poema
que me impressionasse
apenas por te impressionar
um poema que falasse de Neruda
de Bernardo Soares
e de silhuetas diluídas nos pinheiros
mas que tivesse um lugar íntimo
para as estrelas de outros céus imaginados
luas
amores
e areais de vento
um lugar que nos enleasse no ritmo das marés
e seríamos românticos e dramáticos personagens de Pratt
solitários navegantes numa paixão de quimeras
Maltese com um brinco a preto e branco
vendo o Sol poente enfunando as nossas velas
com cores de luz que o Sol traz do mundo todo
E é por isso
que aqui estou
perto de ti
tenho as mãos quase cheias de nada para te dar
mas tenho um mar que não é meu
e um poema
sinto a Lua que nos foge entre os pinheiros
sinto ânsias de enleio em doce tango argentino
e hei-de sentir-te junto a mim em Samarcanda
-Jorge Castro -
Amizades inocentes. Verdadeiras.
Entretanto o OrCa resolveu legendar a fotografia e, portanto, aqui vai ela:
Beija-lhes a água os pés
Numa carícia de mãos
Será só água talvez
Mas para os dois é um chão
De crescer
E de verdade
Ao longe adivinho amor
De perto sei amizade...
- Jorge Castro -
Etiquetas: Homenagem
setembro 20, 2011
convite para a próxima sexta-feira, dia 23, pelas 18 horas...
Uma viagem panorâmica pelos últimos 200 anos da história política e cultural de Portugal à luz da poesia militante da causa republicana, que desde cedo entendeu fazer dela uma das principais armas do seu combate ideológico.
Dia
23 de Setembro (6.ª feira), pelas 18h, no
Espaço Memória dos Exílios (polo cultural da Câmara Municipal de Cascais), sito na Av.ª Marginal, 7152-A – Estoril (antigo edifício da Estação dos Correios, frente à Estação de comboios)
Coordenação de
David Zink e
Isabel Lousada
Leitura de poemas:
Antónia Pereira, Estefânia Estevens, Francisco José Lampreia, Jorge Castro, Júlia Lello e Rita Soares
Entrada livre (condicionada à lotação do espaço).
telef. 21 481 59 30 - 21 481 59 09
(conforme informação recolhida
AQUI)
setembro 19, 2011
67ª sessão das Noites com Poemas, com Manuel Freire
e os versos com reversos
eram p'ra cima de oitenta os marcianos
que o dia dezasseis viu à procura
de - quem sabe? - um grito, um riso ou desenganos
da subtil ironia da mistura
mistura de tais gentes, tais saberes
preclaros num acorde desvalido
nas palavras que brotaram sem haveres
mas de teres que conhecemos de ouvido
e o sonho despontou 'inda era noite
a parecer um renascer feito de esperança
onde a Lua aconselha a que se afoite
todo aquele qu'inda sabe ser criança
solta a voz entre o luar da palavra
solta a vida na promessa de um poema
cada um no amanho da sua lavra
dá o fruto inspirado que fez tema
e o futuro chega a todos sem que algum
se lastime de agruras do passado
num presente em que todos são só um
abraçados em cadência, lado a lado
e por fim resta apenas a certeza
do incerto que é viver pelo contrário
num eterno combate, na grandeza,
de ser uno, integral mas solidário.
- Fotografias de Lídia Castro e de Lourdes Calmeiro -
Etiquetas: Sessão Noites com Poemas
setembro 13, 2011
noites com poemas
com Manuel Freire
-Versos com Reverso
- cartaz de Alexandre Castro -
Direis que tudo isto que irei dizer já foi dito, ouvido, revisto e, porventura, arquivado... Mas quem sabe em que beco esconso se ocultará, hoje, aquele casal que inventava o amor nos idos de 60? Porque há coisas que atravessam o tempo, cumprindo ciclos de esquecimento mas, ao mesmo tempo, de permanente renovação.
É assim, também, o sonho, essa «constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer» no poema de António Gedeão a que Manuel Freire um dia deu voz e inscreveram ambos, assim, para sempre - pelo menos enquanto a tanto chegar a memória colectiva alertada por algum bardo inquieto e incómodo -, entranhadas na nossa pele como algo identitário, as palavras tão leves quanto leve brisa mas contendo em si o peso do universo.
No próximo dia 16 de Setembro de 2011 (sexta-feira), pelas 21h30, na Biblioteca Municipal de Cascais, em São Domingos de Rana, teremos, então, como convidado Manuel Freire. Vai trazer-nos, neste tempo adverso, Versos com Reverso.
E mais não vos direi, pois que adiantaria ao mundo e ao Manuel mais alguma louvaminha? Não, senhores. A ele interessa dar voz e ouvi-lo. Teremos essa oportunidade na data anunciada.
Esperamos por todos, claro... E, tal como vai correndo o mundo, todos poderemos não ser demais.
Até lá, um abraço.
Jorge Castro
setembro 10, 2011
sessões com a Associação Espaço e Memória (Oeiras) - II
Nova visita ao Forte de São Julião da Barra. Desta feita, com visita guiada por José Meco...
... que trouxe novos olhares a uma realidade que, apesar de anteriores muito interessantes e esclarecedoras visitas...
... geralmente com visita guiada a cargo de Joaquim Boiça, não deixou de nos revelar mais um pouco da complexidade que subjaz a um património que, lamentavelmente...
... e, porventura, contrariando até alguma lógica aparentemente evidente, está muito longe de ser do domínio público.
setembro 03, 2011
sessões com a Associação Espaço e Memória (Oeiras) - I
Com uma notável programação, esta associação cultural, a que tenho a sorte e o gosto de pertencer, tem vindo a preencher este meu Verão com visitas memoráveis:
Lá por finais de Julho, a visita, jantar e palestra no Forte das Maias, ali no final da praia de Oeiras, fortificação em recuperação e restauro - cuja cor escolhida para o mesmo, bastante mais rosada do que aquela que eu aqui aplico, levou algém a dizer que «há quem escolha cores para estes edifícios históricos como quem escolhe cuecas»... - não deixa, entretanto, de ser coisa notável de ser vista. Ainda que eu partilhe a opinião atrás vertida.
Com belos espaços que virão a ser orienatados para actividades culturais, aí está uma Oeiras para se recomendar.
«As viagens cruzadas de Fernão Mendes Pinto», palestra a cargo de Jaime Ramalhete Neves, condimentou o jantar, partilhado entre os sócios da Espaço e Memória e os Rotários de Oeiras, que o espaço dá bem para muitos..
Depois, rumando ao farol do Bugio, onde Joaquim Boiça sempre nos prende nos caminhos entre o seu saber e o seu sentimento, por ser ele filho de um dos últimos faroleiros e ser essa uma vertente da vida que desfralda qual bandeira, de que traz cada uma das cores no coração.
É aquele um lugar mágico ou encantatório, ali semi-perdido, semi-esquecido, a meio do rio Tejo, testemunha de pedra à espera de maior sageza dos homens... E tal me sugeriu, no local, a circunstância:
entre o Tejo e o mar
ao sabor do encontro das águas
flutua um farol por desvendar
feito de sonhos e de mágoas
povoado de fantasmas sós
de maré-cheia - maré-vasa
aponta ao céu a sua voz
no grito que lhe traga o golpe de asa
e se nos serviu sempre e nos deu colo
sem receio das águas - sem ter sono
hoje o rio e o mar só lhe dão consolo
entre as praias distantes do abandono...
- poema e desenhações de Jorge Castro
Etiquetas: desenhações, Poemas
setembro 02, 2011
nem tudo o que luz é oiro...
- Antes de mais: fala-se, nesta crónica, das arrebatadas razões esgrimidas por um jovem num dos recentes Prós e Contras da RTP, coisa que poderá ser vista aqui, para melhor esclarecimento.
Pronto! Depois de muito batalhar a ouvir o que um Miguel Gonçalves disse no programa Prós e Contras e que circula por aí como exemplo de nova militância obreira, acabei de concluir que o rapaz, embora possa até estar imbuído das melhores intenções, não passa, objectivamente, de assumir o papel de vendedor da banha da cobra dos tempos modernos.
E por variadíssima ordem de razões. Desde logo porque parte, sem medo, de uma série de pressupostos que, por muito má sorte nossa, não existem.
Não existe isso de tentar uma solução de vida uma vez e outra e mais outra e outra ainda, sem que todos os dias, enquanto se vai tentando, haja necessidade de comer - o que, por si só, condiciona a abordagem ao «mercado».
Não existe isso de «oferecer a mais-valia que o empresário procura» na traineira que sai para a pesca, pelo menos na perspectiva modernaça que o jovem Miguel lhe quer atribuir, sob pena do jovem em início de laboração na pesca ser lançado borda fora, no máximo, ao segundo dia, pelo mestre.
Não existe isso da criatividade exacerbada e sempre à frente quando se trata de fazer uma recolha diária de lixo municipal ou providenciar a limpeza de dejectos de cão na via pública.
Não existe também essa capacidade de perseverança quando a vergonha e/ou a penúria em casa obrigam um jovem licenciado a inscrever-se como caixa do supermercado, como forma liminar de prover ao sustento do dia-a-dia.
Etiquetas: Opinião
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