novembro 30, 2004
Ai, amores...
Camões e Dinamene
Camões traz Dinamene pela mão
Doce e constante como a desdita em sua vida
Não a quis com’às outras
Qui-la sua
Benigna e paciente como um cão
Como graça que um dos seus olhos não viu
Como um amor todo ele sede de virtudes
Era a paz que ele buscava há já mil anos
E que o mar lhe arrebatou num grave instante
Decorrido no breve espaço das ondas
Que do amor só lhe trouxeram desenganos.
novembro 29, 2004
Ai, amores...
(Darei início, com este poema, a uma mão-cheia de pequenas reflexões muito pessoais acerca de alguns "amores paradigmáticos", reflexões essas que irei lançando, em simultâneo mas diversas, nos Poemas de Trazer por Casa... Claro que, enquanto reflexões pessoais assumidas, o autor aceita o contraditório...)
Cyrano e Roxanne
Se Cyrano não tivesse aquele nariz
De afugentar do céu as nuvens vespertinas
Talvez não o amasse nem na morte a sua Roxanne
Que por fim dele se enlevou
Rendida e triste
Pelas palavras que só daquele nariz fluíam
Não o tivesse ele e morreria
Sem amor
Sem nariz
Sem poesia
- Jorge Castro
novembro 25, 2004
O paraíso do outsourcing
Vivemos num país escancarado às inovações. Tanto, mas tão pelintras - benzam-nos os deuses das coisas pequenas - que os exemplos colhidos na estranja, quando repercutidos cá no burgo, dão os resultados mais descabelados. Permitam-me que partilhe convosco um exemplo, que sofri recentemente:
Numa remodelação necessária da minha cozinha, dirigi-me à conceituada empresa que “in illo tempore” ma tinha instalado e solicitei orçamento para a aplicação de um forno e placa encastradas, com design do móvel de suporte similar ao do restante equipamento então fornecido.
Até aqui, tudo bem. Orçamento efectuado, aprovado e 40% do valor proposto liquidado para andamento da obra. Apenas um pequeno senão: actualmente a instalação está a cargo de um outsourcing...
Começa o calvário:
Três meses depois (isto é 2 meses depois do prazo por ela mesma contratualizado), contactada a empresa por total ausência de notícias, fui informado de que o trabalho estaria pronto para entrega, só que a “outra” empresa que procedia à instalação estava sem pessoal... e... portanto... que tivesse muita paciência... e tal;
Passados cerca de 15 dias, contactam-me, aprazando unilateralmente para uma sexta-feira, pelas 8h30 da manhã, para a execução do serviço... e tinha de ser nesse dia (útil) porque, senão, não sabiam quando poderia voltar a ser;
Pelas 10h30 do dia aprazado, já tendo abdicado de um dia de preciosas férias, e sem que ninguém aparecesse, contacto o fornecedor, o qual pedindo algumas desculpas a destempo, me informa que afinal a tal empresa decidira efectuar primeiramente uma instalação em Lisboa e só apareceria da parte da tarde. Nessa manhã eu já desmarcara uma consulta de Estomatologia que me levara 3 meses a marcar... mas paciência!
Pelas 15h30, chega uma camioneta à minha porta que descarrega o material... e vai à sua vida;
Pelas 16h00, com os caixotes à frente da porta e já com ameaças apocalípticas minhas, chegam dois “jeitosos” - penso que não eram profissionais habilitados, mas sim dois elementos dessa nova classe profissional de “jeitosos” - da tal empresa de outsourcing e dão início a uma pequena saga para instalação elementar de UM pequeno móvel com UMA portita e com a estrutura para o equipamento encastrável.
O equipamento eléctrico, mal instalado (os bicos aplicados, por exemplo, não foram os adequados para o gás utilizado...), deverá ter, um dia destes e sem possibilidade de marcação prévia, uma supervisão da empresa (outro outsourcing!) que representa a marca, em Portugal;
A pedra de cobertura que, contrariando as minhas expectativas devido a um português muito traiçoeiro, não estava considerada no orçamento, deve ser pedida à parte, a uma quarta empresa de outsourcing sugerida pela primeira e o respectivo orçamento revela-se uma espectacular exorbitância - quase tanto pela pedra como por todo o demais equipamento. Contacto um fornecedor das minhas relações e obtenho, para o mesmo tipo de pedra, um preço QUATRO vezes inferior!
Remate final: para instalar uma simples placa e um forno encastráveis através de uma das mais conceituadas (e caras) empresas nacionais especializadas no ramo, depois de ter liquidado imediatamente 40% do valor orçamentado, já decorreram três meses, já enriqueci as minhas relações com oito caras novas e, pelo ritmo da coisa e numa perspectiva optimista, tenho para mais um mesito e meio!...
Neste momento a minha cozinha está inoperacional e tudo foge às responsabilidades como o diabo da cruz!
Não, não estou a falar da administração pública, sempre o bombo da festa neste tipo de abordagens. Estou a falar de uma empresa privada, com pergaminhos no mercado!
Nem me atrevo a referir todo o conjunto de problemas de carácter familiar ou doméstico que tal palhaçada provoca. Do mesmo modo, as chamadas telefónicas são incontabilizáveis... Mas o reflexo da mesma palhaçada quer no preço final, como nos custos para o país, interessará a alguém contabilizar?
Como é um encanto o outsourcing em Portugal!
novembro 24, 2004
De vez em quando... 25 de Abril sempre!
No próximo dia 25 de Novembro (amanhã, portanto) na Associação 25 de Abril, à Rua da Misericórdia, 95, em Lisboa, lá pelas 20h00, há jantar evocativo do 25 de Abril de 1974...
Se trouxeres um cravo na mão e um poema no olhar, à lapela a confiança no futuro e no rosto um sorriso contra a adversidade, estou convencido que, mesmo não sendo associado, ninguém te impedirá a entrada.
Queres vir?...
novembro 22, 2004
Ainda a propósito de gestores e de porteiros...
A bem de salutar convívio democrático e de troca sempre arejada de ideias, reproduzo aqui um despique que se vem mantendo lá mais para baixo, a propósito de gestores e de porteiros.
Ao meu artigo/desabafo sobre porteiros e gestores, Rucinha diz:
“Ora eu gostava de saber uma coisa. Será que Orca se fica com o salário mínimo e destribui o resto por si pelo pessoal que no seu trabalho é contratado, por forma a que todos fiquem com o dito minimo e mais uns centimos que dão para a bica? Ou será que Orca é o dito porteiro?”
rucinha 11.21.04 - 12:04 am
#
OrCa – algo agastado, confesso – returque:
Oh, Rucinha, filha, que coisa pobre de ser dita... (E, já agora, como te contacto, pureza, que vens a um lugar público e não te publicitas?).
Sabes, tenho uma má notícia para te dar: distribuo, sim, TUDO o que recebo - não que isso seja de teu cuidado, claro - mas distribuo, sim, o que é uma chatice para quem vem com demagogias baratas. E agora?...
Não queres, antes, comentar o artigo? Falar das suas verdades e das suas mentiras? Preferes tornear a "coisa" tentando descobrir-me telhados de vidro? Não venhas por esse caminho, que vais perder tempo.
Uma coisa te garanto: ao passares pelo meu local de trabalho, terás de te identificar como os demais, caso contrário, não entras. É assim que cumpre a sua função o porteiro que se preza.
Saudações cordiais.
Rucinha não se fica e, muito legitimamente, esclarece e opina:
Ora bem, Senhor Porteiro, aqui tem minha identificação. Não sou menina, para tristeza sua ! Sou cavalheiro. Meu nome é Rudolph Ghills Cabacinha Bonnenfant, Nasci em Portugal, no Estoril, no dia 2 de Fevereiro de 1952, filho de pai Canadiano e de mãe portuguesa - Alentejana.
Sou um daqueles que você não gosta, ou seja, Licenciado, Mestre ( como se diz aí pelo país) e PHD - Professor Doctor em Filosofia e Letras. Além de leccionar por algumas Universidades do hemisfério Sul, também sou Gestor.
Uma das minhas, muitas, especialidades é em praticas cooperativas - algo que Portugal deixou cair, pese embora o sacrifício do vosso filósofo António Sérgio. Sim, em Portugal também há filósofos, e dos bons! Pena é que só cá fora sejam conhecidos e reconhecidos. Pois, segundo sei, raros são os portugueses que vão à livraria comprar obras de filósofos.
Preferem a filosofia empírica de sua cabeça em vez de se documentarem, primeiro, no muito que há para ler e aprender. Lendo todo o Weber, Nietzsche, Marx, Engels, Meschonic, Saint Simon, Touraine, Charles Taylor, Tajfel, Vienney, Wortman, R.W. Wite, etc.,- já para não falar no Cristo Histórico- decerto Orca teria entendido melhor meu comentário e não teria ficado tão aflito receando ter deste lado do mundo alguém procurando encontrar seu telhado de vidro!
Mas, todos temos! Faz parte da Condição Humana como já dizia Malraux e Hannah Arendt!
Um Abraço!
Ps- Já agora, seria éticamente correcto não misturar o ABC dos miúdos com a Fundasão! Não chega dizer que o site é para maiores. Isso só atiça a curiosidade dos pré-adolescentes e eles ainda têm tempo para aprender as coisas da vida na idade e na hora certa!
Verifiquei que me esquecera de acrescentar algo mais: comecei por ler seu blog porque achei graça à «bica no Narciso». Também passei por lá boas e inolvidáveis horas, tal como na praia da Torre e nas Avencas. Belos Tempos! Agora, apenas a recordação e muitas cãs a branquearem a cabeleira! Quando não há muitos relatórios a fazer em Powerpoint e agenda de compromissos- não ministeriais - deixa, sempre passo uma semaninha ou duas aí por esse solo matando saudades do Sol, com a mulher e meus três rebentos (18,11 e 6 anos respectivamente).
Penso que nada mais há a indicar ao porteiro!
rucinha
Email 11.22.04 - 5:31 pm
#
Ao que o OrCa espadana:
Não se me dá de alimentar polémicas porventura imbecis para quem, por eventual desidério divino ou mais prosaica sapiência académica, tanto opina e com tanta certeza em si mesmo.
Desde logo, em tropeção quiçá platónico, perturba-me que V. Exª. presuma que eu tenha algo contra as licenciaturas. Foi raciocínio destemperado. Alguns dos meus melhores amigos são-no... Não acha incrível?
Em sobressalto censório, pasmo que alguém com tal erudição e manifesta largueza de vistas se perturbe com a ideia de que alguém seja capaz de admirar e recomendar - a dois tempos - o ABC dos Miúdos e A Funda São...Sabe, ecletismos de espíritos mal formados...
Na verdade, o tempo passado na portaria não me deixa muito espaço para aprofundar matérias. Nisso, aliás, é que me sinto próximo do tal gestor que, de tão afadigado, pouco tempo lhe resta ou espaço para aprofundar o que quer que seja.
Bom, mas como não presumo que a nossa interessante polémica faça o mundo rodar ao contrário e porque não estou minimamente preocupado com as suas leituras, ao mesmo tempo que não lhe reconheço qualquer veleidade de opinar sobre as minhas, ressaltando apenas et en passant, que 1952 também é o meu ano, sempre gostaria de o esclarecer de uma coisa que me parece óbvia e que o meu amigo - se me permitir a ousadia - obstinadamente ultrapassa e desconsidera do artiguelho em apreço: o "nosso" gestor é portuga, está sediado em território nacional, foi feito a correr ou a martelo e por mil razões menos a do seu conhecimento da arte de gerir. E fundamentalmente por isso, temos o Portugal que temos.
Talvez que na bica do Narciso encontremos a remissão das nossas (mútuas) agonias...
Cordiais saudações
Talvez se verifiquem desenvolvimentos ou talvez não...
Entretanto, certo é que ele há gestores e ele há porteiros.
Não menos certo é estar Portugal num nó górdio da sua História.
Comento apenas, à vol d'oiseau, que há uma e só uma coisa que me fere neste salutar confronto: é o facto de o meu interlocutor se permitir imaginar-me triste ao saber que Rucinha não é menina, mas sim menino e, ainda por cima, sénior.
novembro 20, 2004
A Fun'Danço
Ontem, dia 19 de Novembro, teve lugar, na Mealhada (Restaurante Simões dos Leitões), mais um saudável encontro de gente dos blogs, promovido pela São Rosas, d' A Funda São, sob o signo da brejeirice. A culminar um opíparo repasto, a excelente Tuna Meliches (leia-se tu-na-me-liches), abrilhantou a sessão com soberbo e primoroso repertório brejeiro, de fazer chorar as pedrinhas da calçada...
Também por lá deixei o meu modesto contributo:
No II Encontro d’A Funda São
Aqui estamos uma vez mais reunidos
Alguns mecos que dão corpo ao manifesto
Talvez poucos, porventura, mas unidos
Que dos outros nem reza a História, de resto...
E embora sendo poucos, somos tantos
Quantos somos e que ninguém se apoquente
Que, afinal, nós seremos tantos quantos
Os que formos a vogar nesta corrente
Ao leitão, outra vez, à cabidela
Ao vinho branco e fresco, e ao marisco
E àqueles que não alcancem a gamela
Mandaremos, por email, ar do petisco
Esta é, companheiros, a Funda São
Que só dá subsídios p’rò remanso
E fundidos, refundados - porque não?...
Nós cá estamos, p’lo Simões, no afundanço
Celebremos, pois, amigos, a amizade
Neste mundo a um passo do caótico
Onde, por nosso grande mal, mas na verdade
“Nem tudo o que nos fode é erótico!”
Vai de erguer, com fervor a nossa taça
Ao deus Baco e também à deusa Vénus
À Afrodite, a Marte e à populaça...
Nem tem jeito que o brinde seja por menos!
Pois se é certo que esta vida são dois dias
E que até um se perdeu já neste enredo
Deixemo-nos de merdas e agonias
E bebamos desta vida sem ter medo!
- Jorge Castro (OrCa)
19 de Novembro de 2004
novembro 17, 2004
O gestor e o porteiro, ou a pantominice dramática de dois gémeos separados à nascença
(Já sei que ninguém vai ter paciência para ler este testamento.
Mas eu também não tenho paciência para muita coisa e tenho de me aguentar!...)
CARICATURA EM UM ACTO
Um gestor obtém uma licenciatura. Geralmente, pagam-na os seus “encarregados de educação” (as aspas são de propósito) e todos nós, através dos impostos.
O porteiro, geralmente, não é licenciado. Ou porque os seus “encarregados de educação” não tiveram posses para aguentar a parte da licenciatura que lhes cabia, ou porque as circunstâncias da vida assim o determinaram ou, mais prosaicamente, porque o homem não esteve para ali virado.
Assim, enquanto o futuro gestor passa o dia a estudar, marrando sobre matérias impingidas por um ensino universalmente reconhecido como desadequado das realidades e sem serventia ou aplicação prática, e bebendo uns copos à noite, o futuro porteiro tem um biscate numa loja de centro comercial de dia e, se tiver sorte e as tais circunstâncias da vida assim o propiciarem, será ele a servir, à noite, uns copos ao futuro gestor.
Neste momento da vida, o futuro gestor, bem como o futuro porteiro, mais não serão do que dois “pesos-mortos”, socialmente falando. Estão, apenas, a “gerir expectativas”. O primeiro, porque não está, ainda, por razões óbvias, inserido na chamada actividade produtiva; o segundo, porque, atarefado de biscate em biscate, ainda não aterrou numa entidade patronal que cumpra a lei, cumprindo, assim, as obrigações sociais e integrando-o, de facto e de direito, na tal actividade produtiva, de corpo inteiro, os descontos devidos... e a bem da nação.
Concluída a licenciatura, duas ou três pós-graduações, um mestrado e, porventura, um doutoramento, tendo-se munido, também - e pormenor não despiciendo - de um qualquer cartão de uma qualquer confraria mais ou menos clandestina (cartão esse devidamente repercutido num outro cartão partidário, preferencialmente da área do “centro”, mas com eventual flexibilidade para se chegar a uma franja), o futuro gestor é nomeado para assessorar uma qualquer empresa, de preferência daquelas em que o estado faz de conta que é dono não sendo, ou em que, de facto, é o dono, mas faz de conta que não é.
Nesta altura, o futuro porteiro, para além dos empregos acima, também já distribuiu publicações, andou nas vindimas em Espanha, foi servente na construção civil, foi talvez uma vez mais barman, fez de segurança de uma das empresas por onde anda a assessorar o futuro gestor, foi vendedor por conta própria, dedicou-se à pesca e faz, à noite, umas horas numa padaria. Actualmente e já com trinta e cinco anos, sem nunca ter descontado para a Caixa, nem ter declarado o IRS, nem pagar autárquica (pois ainda vive em casa dos pais, claro e só por isso...), decidiu empregar-se numa empresa que subaluga pessoas para funções comummente designadas como “menores ou braçais”. Encontra-se, actualmente e nesta conformidade, a desempenhar as funções de porteiro numa das empresas onde o tal assessor e futuro gestor assessora. Enquanto porteiro, o nosso homem aufere o salário mínimo e pagou um almoço aos amigos quando recebeu o primeiro recibo de vencimento com o primeiro desconto para a Segurança Social. Já fez as contas e sabe que para receber a pensão máxima, quando se reformar, terá de trabalhar até aos setenta e cinco anos, pelo menos.
Nesta altura, o nosso futuro gestor, com a mesma idade, já recebeu três viaturas topo de gama, enquanto assessor de outras tantas administrações, tem vários cartões de crédito e telemóveis, quatro seguros de saúde e tem sérias dificuldades em conseguir cumprir toda a complicada agenda de compromissos extra-laborais que a sua intensa actividade de assessor implica. Após uma recente remodelação ministerial, alguém lhe pede um exemplar detalhado do seu extensíssimo curriculum e vê-se nomeado administrador pela tutela, sem que se lhe conheça obra feita, para além da significativa redução de encargos que a sua sugestão, em relatório com apresentação em Powerpoint, de trocar o fornecimento de esferográficas por lápis originou num longínquo departamento de uma das empresas assessoradas.
Há já sete anos que o nosso porteiro é porteiro na mesma empresa. Gostaram dele, da sua prontidão e disponibilidade e por lá foi ficando. Ninguém passa por ele sem mostrar identificação e levar, em troca, uns bons-dias bem esgalhados. Já é da família. Mantém, no entanto, o seu vínculo laboral com a outra empresa que subaluga trabalho não-qualificado e continua, também, a auferir um vencimento mensal idêntico ao salário mínimo. Mantém o regime contratual a termo certo, ou a prazo, que vai dar ao mesmo, porque todos os anos há um mês em que deixa de ser porteiro e fica desempregado, mas com certeza de renovação de contrato dali a trinta dias. Mantém o biscate, à noite, na padaria. Está a pensar casar e até já anda com um andar em vista. Tem dificuldades em obter empréstimo bancário, quer pelos seus baixos rendimentos, quer por não ter emprego consistente.
Já o nosso gestor vai, nestes sete anos, no seu quinto cargo enquanto administrador. O seu curriculum já é digno da Torre do Tombo, embora não se lhe conheça obra feita ou responsabilidade assumida, até por falta de tempo para sedimentar o que quer que seja – o que não é, em qualquer caso, de sua responsabilidade. Na mais recente empresa onde tomou posse há coisa de dois meses, entregaram-lhe um prémio de produtividade simbólico de € 50.000 pelos bons resultados da mesma empresa no ano anterior, juntamente com um Jaguar de último modelo, um escritório remodelado e com tapetes persas, presumivelmente adequado à dignidade da função. Ontem mesmo, o nosso gestor soube que tinha sido reformado por uma outra empresa onde era administrador, com vencimento por inteiro e uma indemnização por ter cessado funções três horas antes de acabar o mandato, de cerca de € 500.000, conforme despacho do Conselho de Administração que ele próprio integra e onde o seu voto é determinante. Esta reforma não é incompatível com a manutenção dos demais cargos, podendo até manter, no futuro próximo, uma assessoria, talvez a “recibo verde” nessa mesma empresa, conforme se pode ler na respectiva nota interna.
Todos os dias, estes dois homens se cruzam à entrada da empresa. Nunca estes homens hão-de descruzar-se.
Perante isto, porque hão-de os vencimentos-base mensais destes dois homens ser diferentes? Somos um país realmente muito complicado...
novembro 15, 2004
O Fado do Iraque
A propósito de um desafio, em desgarrada de conversa, que girava em torno da brutalidade a que assistimos no Iraque, aconteceu sair isto, que acabou por cumprir uma bem intencionada função, ainda que ténue... Fica aqui uma outra utilização das palavras e o tom - mesmo não o sendo - pode adivinhar-se em dó maior.
(Experimente-se cantar ao som do Fado da Azenha, de Frederico de Brito - “Naquela Azenha Velhinha”)
Sente-se esta dor tamanha
De saber o desperdício
De um chão embebido em sangue
E os mortos já são montanha
Pavor sem fim nem início
Gritos sem voz alma exangue
Guerra de medos e enganos
Em que somos envolvidos
Quer queiramos ou quer não
E nós ditos seres humanos
Alucinados perdidos
Matamos o nosso irmão
Somos joguetes do medo
Vemos a vida às avessas
Fantoches sem dignidade
Urge mudar este enredo
Talvez juntando outras peças
De que é feita a Humanidade
O pão traz-nos a alegria
E em cada dia a promessa
De viver p’ra mais saber
Prove-se então a harmonia
De ser cada dia essa
Uma razão para viver.
- Jorge Castro
novembro 14, 2004
II Jantar/Convívio n'A Funda São - dia 19 de Novembro, na Mealhada
A bem da diversidade de culturas, contra hipocrisias desajustadas e teias de aranha cerebrais, a favor da terapia ocupacional e na certeza de um excelente convívio com excelentes pessoas, aqui se declara solenemente que o OrCa vai comparecer nesse evento que terá lugar no Restaurante Simões dos Leitões, na Mealhada, pelas 20 horas do próximo dia 19 de Novembro.
A São Rosas, excelsa anfitriã, decerto nos surpreenderá com o seu gosto requintado e arte de bem receber.
Para os interessados, bastará clicar no nome e anunciar a presença na efeméride...
Haverá (pelo menos) chamuças, odes e fraternas cumplicidades.
A organizaSão declina qualquer responsabilidade se em algum dos presentes
não se abrir um sorriso na face.
novembro 13, 2004
De que vale...?
De que vale sermos a ilha
Descoberta
E não haver
Já mar nenhum
À nossa volta?
De que vale sermos a terra
Prometida
E não haver
Até nós
Qualquer caminho?
De que vale sermos o mar
Da tempestade
E não haver
Dentro de nós
Qualquer destino?
Há que ser ilha
E terra
E mar
Há que saber
Juntar em nós
Cada centelha do universo
Para então sermos
O ser uno e diverso
E assim sermos sempre um só
Por mil caminhos.
- Jorge Castro
novembro 11, 2004
Poema da liberdade
Estás tão perto de mim que te respiro
E tão longe
Ao mesmo tempo
Que te invento
Se o teu seio sinto arfante num suspiro
De repente só de ti sei pensamento
Mais que onda és o mar e a terra toda
És a Lua e o Sol
És universo
E és o pó que cada estrela lança à toa
E cadente num poema és o seu verso
És a vaga em que vogam os sentidos
A papoila rubra e quente da campina
És do meu tempo
Os combates mais sofridos
E o silêncio de que é feita a neblina
Quando enfim nada mais tiver de meu
Do que as nuas mãos e a ânsia de um olhar
Serás tudo o que terei da terra ao céu
Liberdade
De sentir e degustar.
- Jorge Castro
Hoje, pelas 03h30 da manhã, Yasser Arafat foi declarado morto.
Uma vida e uma causa. Contra tudo, tanta vez, e contra tantos. Ainda mais por isso, uma Vida.
Enoja-me a hipocrisia politicamente correcta das homenagens que, ao mesmo tempo que lhe enaltecem o exemplo, asseguram que "agora" estão criadas condições
para um entendimento entre palestinianos e israelitas.
Que paz pode ser sustentada pelo desaparecimento físico de Arafat?
Entre a cegueira da "estabilidade" pôdre e a alegria dos seus inimigos figadais,
venha o diabo que escolha...
Não virá daí nada de transcendente para o mundo,
mas quero dedicar o poema acima à memória de Yasser Arafat.
novembro 09, 2004
Cantiga de Avô
Olho as tuas mãos
Avô
Encordoadas e tortas e fartas de mourejar
São esses os teus caminhos de encruzilhadas revoltas?
Tens estradas e veredas
E percursos de além-mar
Calejados e trementes à solta no teu regaço
Tens um calor no abraço
E a força do teu braço tão forçado a navegar
Diz-me
Avô
A cor das nuvens dos céus que tu escolheste
Diz-me os tons do arco-íris
Para eu crescer melhor
Diz-me só como correste na praia
Atrás das gaivotas
Que voavam assustadas para além do pôr-do-Sol
Diz-me
Avô
Porque ficaste com esses olhos tão verdes
Na tua cara enrugada
Que até parece de mar
E o sorriso cansado
Olhando aquela gaivota a quem não cansa o voar
Ensina-me a navegar
Mostra-me os rios e as fontes que vêm dos altos montes
E fazem estradas no mar
Avô
Mal aprendi eu a andar
Mas que procuro os caminhos que meus passos vão criar
Ergue a mão encordoada
Faz-te a vela
A alvorada
Faz do teu braço o alvoroço
Sê tu a minha amurada
Da rota que hei-de singrar
Avô
Vem comigo navegar!
- Jorge Castro
novembro 07, 2004
Aguarelas de Paulo Ossião
O que é bom é para ser visto...
Quem puder passar por Palmela, passe também pela GALERIA SANTIAGO
(na Rua Serpa Pinto), até 09 de Janeiro de 2005,
para ter o prazer de olhar o azul
Capa do catálogo da exposição
Azul de água
Mar de casas
Um azul de oceano
E mulheres quase ao acaso
Profundo o rio e azul
Quase ao alcance da mão
Oceanos de Ossião
- Jorge Castro
novembro 05, 2004
Hoje é dia de vaidades e de amizades, feitas cá pela comunidade
Tive, no mesmo dia, duas gratas surpresas que - devo confessar - me deram um grande gozo, não apenas porque é sempre gratificante sermos recordados, mas principalmente por terem vindo as lembranças de quem vieram...
- Uma do blog CATEDRAL (lmatta e ognid):
novembro 05, 2004
Para o OrCa, com amizade
"Olha ali o OrCa, olha!", dizia ela. "Mas tu não estás a ver? Olha ele ali em cima!", continuava. E ele, a conduzir, não podia olhar com a atenção que ela requeria. "Ai, devia tirar uma fotografia! A máquina, onde é que ela está?", perguntava ela começando a abrir o saco da dita cuja. "Porra, a m.... da máquina nunca mais abre! E o OrCa está-se a desfazer!", vociferava. "Realmente está a perder o formato", pensou ele. "A máquina não foca!!! M....!!! Pronto, já tirei uma... duas... ". E, assim, lá tirou algumas fotos à OrCa nas nuvens, das quais escolhemos esta, por nos parecer aquela em que o estado de decomposição :) estava menos adiantado. Jorge, esperamos que gostes. Beijinho e abraço.
Publicado por ognid novembro 5, 2004 12:18 AM
- E outra do blog TADECHUVA, do amigo ZecaTelhado: novembro 04, 2004
ESTA SEMANA RESOLVEMOS ESCOLHER:
PRÉMIOS"TeclaD'ouro"- Vai para o "Sete Mares", do nosso "Orca" e para o magnífico artigo "Dos Caminhos da Utopia - 22-10-2004". Este companheiro está a tornar-se "um caso sério".
---
A vós vos devo, meus amigos... De uns, a carga inspiradora proporcionada pelas imagens que nos oferecem; de outro, o exemplo de cidadania.
Mas o meu ego considerou, também, adequado deixar aqui estas duas referências no meu diário de bordo, para memória futura.
novembro 02, 2004
Bucólica - Eram muros de pedrinhas
(Ora, então, vamos lá falar das eleições nos States...)
Lá por onde me criei
Havia montes
Fraguedos
Ribanceiras e outros medos de que falar já nem sei
Mas havia lá também
Naquele alto nordestino
Algo que o olhar menino que eu já tive e mais terei
Acorda em mim
Recorrente
Eram muros
Pedregosos
Linhas bordando caminhos em fronteira de lameiros
Muros direitos
Certeiros
E outros tortos
Matreiros
Em desenho de bordados
Que as amoras dos silvados ponteavam de vermelho
Cada muro de pedrinhas era feito pedra a pedra
Fossem de xisto ou granito
Pedras afeiçoadas uma à outra se apertavam
Sem delas se ouvir um grito
Fosse aquele o seu destino ou dos homens que as erguiam
Pedra a pedra como um hino e que as maiores amparavam
E assim os muros cresciam
Nem eram altos nem fortes os muros desses caminhos
Mas vacas e bois imensos
Cavalos
Burros
E mulas de correr de encontro aos ventos
E sei lá que mais gigantes
Ou demais abencerragens dos meus medos de menino
Dentro dos muros ficavam
Entregues à sua sorte
A retouçar na forragem
E eu seguia o meu caminho.
- Jorge Castro
(... Mas isto não tem nada a ver com as eleições!... Tem graça, que também me pareceu...)
novembro 01, 2004
Na esplanada do Narciso - Carcavelos (praia)
Caro amigo,
Empregado,
Oh, senhor, faça o favor...
Trazia-me dois cafés
Com açúcar
Mas sem dor?
Grato lhe fico
E acredite
Que neste tempo de Sol
Mas também da tanto horror
Por cá lhe empresto um palpite:
Um café com tanto mar
Nem só desperta o apetite...
Dá-nos à vida outra cor.
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