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mundo
Todas as coisas têm o seu mistério
e a poesia
é o mistério de todas as coisas

Federico García Lorca

Sendo este um BLOG DE MARÉS, a inconstância delas reflectirá a intranquilidade do mundo.
Ficar-nos-á este imperativo de respirar o ar em grandes golfadas.
julho 11, 2007

Das realidades criadas por alguns Belmiros que outros Sócrates sustentam - ou um certo Portugal de futuro incerto e precário, a 500 € por mês...

... e já gozas… Numa família perto de si.
Não, não é ficção. E também nem drama é.
É uma merda!

- Estou, mãe? Olha, pá, queria que me fizesses um favor…

Trabalha há cerca de cinco anos. Tem um décimo segundo para acabar e já ultrapassou os vinte e cinco de idade. Entre vodafones daqui e grandes superfícies dali, entremeadas com uma loja que vendia periquitos num Centro Comercial e que, entretanto, faliu, conta já com uma meia-dúzia de empregos ao longo de oito anos de vida. Este último tem estado a correr bem. Ganha quase 500 € por mês e, apesar de ter uma carga horária de quase doze horas por dia, não é mau. É chato, aquilo da caixa, quando falta dinheiro mas, entre todos, lá se vão safando, que a equipa até que nem são maus gajos.

Vai uma vez por outra beber uns copos com os amigos, mas é raro. Por acaso até nem engraça com o futebol. É um tipo certinho, todos dizem. Puto normal. Até percebe umas becas de computadores, que andou aí a tirar uns cursos. Caros, p'ra caraças, mas ainda assim, que quem não sabe de computadores, já se sabe como é que é...

Com o IRS é que vai uma confusão danada. Recibos verdes a meias com esquemas de ocasião, é de um tipo se passar e o melhor é arranjar um contabilista, pois está farto de pagar às Finanças aquilo que não entende. A chatice é que os gajos pagam-se…

- Pois, mãe. Apareceu-me aqui um aviso dos correios… Tem oito dias para levantar e já passaram três e eu, às horas que os gajos dizem, não posso lá ir, senão correm comigo do emprego. Ainda para mais o encarregado anda a dizer que há gente ali que já ali anda há muito tempo…

Acabou de comprar uma casa num bairro de Lisboa. Baratucha, claro. Um grande esquema que a mãe lhe arranjou com gente amiga. Uma velhota que morreu, sem chatices com herdeiros. Pequenita e tal, a precisar de umas obritas, mas é fixe, ali perto da baixa. O empréstimo é que foram elas. E, agora, o que lhe vale é que a mãe lhe paga metade da prestação, senão estava feito. Mais de trezentos euros por mês, meu!... Mais transportes e chope-chope, já nem sobra p'rà luz e pr'ò gás. Mas este último emprego já dura há mais de oito meses e ele é a namorada e tal, ‘tás a ver? Eh, pá, que um tipo tem de orientar a vida. Até ver, está lá sozinho, mas está a pensar convencer a miuda, que também já faz uns biscates para uma firma de arquitectos, a juntar os trapinhos...

- Olha que eu tenho a impressão que isto é das Finanças. Diz aqui que é de uma DG qualquer coisa, que não se consegue ler… Sabes o que é? Se calhar não está completo… Mas diz que é uma carta. Mas eu não consigo lá ir a estas horas… Não és capaz de me desenrascar isto? Pá, a declaração do ano passado parece que estava toda engatada e, se calhar, é isso. Também, a tipa lá dos pássaros nunca me passou os recibos dos pagamentos e, na volta, engatei a declaração toda. Mas acho que ela declarou os pagamentos ou não sei quê… Tás a ver? Mas o pior é que eu não tenho tempo para tratar disto.

A mãe tem um emprego estável, com uma boa mão-cheia de anos de casa e um percurso profissional longe de brilhante, mas digno do maior crédito por parte da entidade patronal, que lha paga… pagando a tempo e horas, ainda que isto para promoções esteja mau, não é?, o que faz com que ela se mantenha, solidamente, na mesma categoria vai para quinze anos.

- Está bem, filho. Eu a ver se logo me desenfio daqui um bocado mais cedo, que o patrão nem nota, e vou lá dar um salto aos correios a ver disso. De caminho deixo-te lá umas coisas em casa… O frigorífico já está bom, não está? E deixo-te a camisa e as calças da farda, que já fui buscar à lavandaria. Vê lá se consegues que te dêem outra farda, que isto assim é uma canseira e uma correria e eu também não tenho tempo para tudo.

Afinal, o filho perdeu o emprego naquele mesmo dia. O encarregado estava farto de o avisar que não havia chamadas particulares para ninguém no horário de serviço. Bem argumentou que a mãe é que lhe tinha ligado…

- Isto é assim: aqui quem quer emprego, cumpre! Estás farto de saber como é que é, pá! Tem paciência. Também, já cá estavas quase há um ano… Olha, é assim: deixa-te lá estar inscrito onde estavas, que eu daqui a dois ou três meses estou a precisar de gente. De certezinha!

O encarregado anda sempre de fato. Tem trinta anos e já está naquilo vai para três. Não conhece ninguém que tenha aguentado tanto tempo. Parece que lá na Direcção gostam dele. E ai dele se não controla aqueles putos. Mais uns anitos e até são capazes de o deixar entrar para o quadro. Agora estes putos, parece impossível, esta malta não cresce, pá!...

(Na volta, podia deixar-se isto à consideração da dúzia e tal de candidatos à Câmara de Lisboa, para o repovoamento da capital.

Ah, e se alguém me vier com tretas de que isto é um dramazito de classe média baixa, pode meter a opinião onde o sol não brilha! Opiniões dessas, tenho para aí às dúzias. Interessa é saber que, afinal, se calhar é com estas e algumas outras que se arranja o dinheirinho para brincar às OPAS... não será?

Entretanto, claro, se alguém arranjar para aí um ganchozito, o puto agradece, pois está outra vez pendurado...)

Afixado por: Jorge Castro (OrCa) / 22:00


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